Capítulo
– 10
Quando o palácio desmorona
A discursão entre Caleu e
Fernanda durou cerca de uma hora, várias ofensas foram trocadas, eu cheguei a
pensar que ele partira para agressão, mas se conteve e acabar com a menina
apenas com o uso das palavras, eu pensei que agora ela iria embora. Mas se manteve
e exaltou o seu amor por Caleu como nunca havia feito. Os dois ficaram meio
afastados, ela pedia explicações a todo o momento e ele se esquivava com muita
agilidade das suas perguntas dando respostas incompletas ou se negando a
responder.
- Caleu oque aquele homem queria?
- Isso não é assunto seu!
- Se eu estou morando aqui, é
assunto meu.
- Não quero responder agora.
Caleu saiu e deixou Fernanda
desnorteada a chorar no centro da pequena sala. Ela caiu em grande comoção,
suas lágrimas emundaram o ambiente com grande tristeza, assim permaneceu por
horas, pensou em voltar pra casa, mas não se sentia uma menina como sairá de
lá, havia se tornado mulher, Caleu a tinha transformado em mulher. Pensou na
saudade, pensei em contar sobre sua avó, mas ela nunca me escutava.
Fiquei sentado do lado dela, seus
olhos estavam inchados, sem que ela percebe-se deitei sobre suas pernas e senti
o gosto das suas lágrimas, tinha um gosto inexplicável, de dor misturada com
arrependimento e muita saudade.
Mas uma vez senti grande vontade
de ser humano, queria pedir ela em namoro, colocar um anel em seu dedo, fazer
dela minha mulher, eu sim queria ser transformado em homem através das mãos de
Fernanda e transformaria ela em mulher.
Quando passava das oito da noite
Caleu retornou com uma aparência abatida, Fernanda acabara cochilando no chão
da sala, ele a pegou e colocou na cama, deitou ao lado dela e a abraçou com
tanto carinho, ela se movimentou e retribuiu o abraço com um beijo envolvente,
eu encostei a porta com um pequeno sopro e percebi que era hora de eu me
retirar.
Aquela noite não tinha luar, as
estrelas haviam se escondido, com medo de mim talvez, naquela noite fiquei
brincando com os ratos que passeavam em meio aos becos da favela.
Pela manhã os dois fizeram as
pazes, beijos aconteceram, ela disse com uma cara de seria que tinha uma
notícia a dar. Caleu levantou o olhar como quem já previa a notícia, mas com
certeza ele estava errado, Fernanda estava gravida, a certeza não era absoluta,
mas já estava atrasada há algum tempo, Caleu ficou pálido e sem reação.
Fernanda chorou Caleu a abraçou
com mais carinho que o da noite anterior, pediu que ela fosse a uma farmácia, e
deu a sua notícia.
- Você tem que ir embora! O mais
rápido possível.
- Como assim, porque estou
grávida?
- Aquele cara que você viu, será
só o primeiro a vir me procurar, não é seguro você ficar aqui!
- Mas...
- Não Fernanda.
- Caleu, você vai me abandonar
por que estou gravida?
- O que? Lógico que não.
- Tenho certeza.
- Meu Deus. Eu lhe juro meu amor,
se lhe peço que vá é por sua própria segurança.
Eu fiquei tão perplexa que nem
sentia minha respiração. Fernanda chorava sem parar, Caleu andava de um lado
para outro, como se estivesse andando para fora da li, fora da cidade, fora do mundo. Ele também
era homem, em um corpo de menino, e sentia como Fernanda a necessidade de um
colo de mãe, só queria poder fugir.
- O que vamos fazer Caleu?
- Tenho que pensar... Você vai
pra casa da sua mãe! Tem certeza sobre a gravidez?
- Sim... Ou mais ou menos.
-Não posso voltar. Não quero,
prefiro ficar aqui.
- Não aqui não é seguro, entenda!
- Caleu o que você fez?
- Não deve saber... A única coisa
que precisa saber é que sua segurança está em risco.
- Eu não vou. Não quero te
abandonar.
- Logo vamos nos reencontrar.
Juro.
- O que fez de errado? Diga-me.
- Eu devo uns caras, é muita
grana.
- Quanto, e como?
- Eu me envolvi em coisas errada
Fernanda, antes de te conhecer.
- Não Caleu, não me obrigue a
ir.
- Está decidido amanhã você vai.
- E como vou te ver?
- Me deixe o endereço, e em três
dias a gente se encontra e foge.
- Tem certeza? Não vai me
abandonar.
- Fernanda eu lhe jurei o meu
amor, como nunca jurei a nenhuma menina.
- Então vou te esperar.
Os dois foram dormir, e aquela foi
a última noite que se amaram, como homem e mulher em corpo de criança. Logo
pela manhã Fernanda partiu para sua casa, eu vi o quanto a menina chorava, não
queria ir de jeito nenhum, eu arrastei para porta, mas ela se negava a deixar
os braços de Caleu, ele também chorava, suas lágrimas eram quase
imperceptíveis, mais estavam ali, eu me sentia feliz, com uma sensação
estranha.
Algumas pessoas dizem que eu
posso mandar e desmandar no mundo, não é verdade, ate queria poder tomar certas
decisões, naquele momento algo me dizia para deixar Fernanda ali, mas meu
coração falou mais forte e a puxei com toda minha força, ate que ela se
desprendeu dos braços de Caleu. E veio em minha direção, com a mesma bolsa que
chegou ao barraco, saiu, seus cabelos estremeciam em meio a neblina densa daquele
dia frio de outono.
Caleu falou diversas vezes para
que ela tivesse cuidado, e prestasse bastante atenção, ela suplicou para que
ele fosse com ela, ele disse que se fosse ela estaria correndo mais perigo. Eu
e Fernanda seguimos pelos becos da favela em silêncio, às vezes eu olhava com o
canto dos olhos e me deparava com ela triste, ela seguiu o trajeto todo com os
olhos baixos, de hora em hora voltava os para o céu, talvez buscasse conforto,
um amigo, e eu lá esperando um simples olhar. Andamos um bom tempo, pegamos o ônibus e ela parou na praça, eu desci também e a acompanhei, ela talvez
procurasse Ana, não para brigar mais para passar o tempo. Não a encontrou, eu
tinha visitado algumas noites atrás.
Seguiu seu caminho, quando passou
no cemitério que frequentava com os pais, lágrimas rolaram pelo seu rosto,
lembrou-se do avô.
Eu queria que ela não descesse
mais como sempre ela nem me escutou, desceu e seguiu por entre os túmulos. Ate
que chegou a sepultura do seu avô, como de surpresa ao lado estava a da sua
avó, eu já sabia, queria esconde-la daquele sofrimento. Ela chorou e chorou
muito, seu arrependimento foi tanto que chegou a cogitar a ideia de se jogar
dentro de alguma cova aberta que encontrasse ali. E fiquei do lado dela,
acariciando seus cabelos que estavam ficando cada vez com mais lindos, a
neblina nós cobriu por alguns estantes, ela seguiu para sua casa com mais dor
do que havia saído.
Eu ficava olhando Fernanda e
pensando como a vida era injusta, ela uma menina tão bonita teria uma vida com
tanto sofrimentos, tem coisas que não posso controlar, mas queria ao menos
conseguir compreender. Por que o ser humano tem uma vida com tantos altos e
baixos, fiquei assim olhando ela, cada rua que passávamos eu lembrava coisas
que tínhamos vividos, já estava com ela a muito tempo, ela sempre me enrolando,
sempre me evitando e eu lá do lado dela, posso dizer que a vi crescer. E assim seguimos por entre a ruas daquele dia
de neblina.
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Madrugada de Sombras |